Ao terminar de um dia normal, um
jovem normal voltava para sua casa em um ônibus também normal. E normal, nesse
último caso, significa lotado de tal forma que não havia espaço para encher os
pulmões de ar. O jovem estava em pé, assim como mais cento e cinquenta pessoas.
Pelo menos foi o que seu cérebro o fez pensar. É nesse cenário que, ao olhar
fixamente para a pessoa que estava sentada a sua frente, ele começou a ter os
pensamentos que eu quero compartilhar com vocês, agora.
“A última vez que fiquei tão
perto de alguém foi quando eu era um feto”, ele começou, já entrando em
devaneio, que, aliás, acontece com certa frequência. “Eu daria tudo pra estar
sentado, afinal eu já estou dando mesmo” (Você, leitor, entenderá isso no final
do texto). Depois desses pensamentos um tanto quanto bobos – que é outra de
suas características –, o jovem tirou o pequeno sorriso do rosto, e, de
repente, suas reflexões tornaram-se mais sérias. “Isso me parece muito injusto.
Por que algumas pessoas podem viajar sentadas e a maioria tem que viajar de
pé?”. A partir daí, certo ódio pôde ser notado em nosso personagem. “O que faz
essas pessoas sentadas terem mais privilégios do que as outras?”, continuou, “o
pior é que ninguém parece se importar com toda essa injustiça e desigualdade”.
É nesse momento que o jovem passou
a ter ideias para solucionar os problemas que, segundo ele, as pessoas não
tinham capacidade para reconhecê-los. “Poderiam existir mais bancos em todos os
espaços do ônibus: no corredor, perto do motorista, do lado das cadeiras
únicas... assim mais pessoas sentariam”. Rapidamente ele percebeu que essa
alternativa não funcionaria, pois não teria por onde as pessoas passarem para
chegar ao fundo do ônibus. Chamou essa solução de solução utópica.
O jovem continuou seu exercício
mental. “Já que não há possibilidade de cadeiras para todos, acho que as
cadeiras que existem deveriam ser retiradas. Sobraria mais espaço, e aí sim
teríamos igualdade”. A princípio, ele gostou muito de sua ideia. Pensou até em
escrever um livro para convocar as pessoas que viajam em pé para lutar por essa
causa. De tão convicto, o jovem chamou essa solução de solução científica.
Minutos depois, porém, ele notou que não teria o apoio das pessoas que viajam
sentadas e notou, também, que não teria nem mesmo o apoio das pessoas que
viajam em pé, visto que elas, como qualquer outra, têm o desejo de um dia
viajar nas cadeiras. Ele, por um instante, ficou um pouco triste, desistiu da
ideia, mesmo sabendo que se escrevesse o livro, devido sua inteligência e
capacidade de persuasão, teria seguidores que fariam de tudo para atingir tal
objetivo. Ele poderia, também, através de seu livro, convencer as pessoas de
que o que elas desejam não é bom para todos. No entanto, ele percebeu que isso
seria desonesto, porque não é possível saber o que é bom para uma pessoa melhor
do que ela própria.
A sua pouca tristeza foi se transformando
em muito ódio. Estava há muito tempo, naquele cenário caótico, buscando outra
solução. Ela chegou, quando a bolsa da pessoa que estava sentada a sua frente,
devido ao ônibus ter feito uma curva fechada, caiu em seu pé. “Encontrei mais
uma solução!”, pensou, “nunca vi uma dessas pessoas sentadas dando lugar a alguém
que está há muito tempo em pé; nunca vi nenhuma delas fazendo um ato de
solidariedade; nunca vi nenhuma delas sentindo pelo sofrimento alheio. Então,
por que não as eliminamos?”. Ele estava tomado pelo ódio, seus olhos estavam
vermelhos de raiva. Chamou essa solução de solução real. “Desse modo, aqueles
que viajam em pé me apoiariam, e não teria quem seria contra. O único problema
seria convencer as pessoas de tal ato”.
Alguns segundos após esse último
pensamento, a jornada finalmente chegou ao fim. E em seguida, nosso jovem, depois que sai um
rapaz afrodescendente que passou a viagem inteira com seu órgão exclusivamente
masculino atrás dele, acorda de seu devaneio e percebe o quão absurdo foram as
ideias que ele teve durante todo esse período.
Nesse momento, você deve estar
se perguntando como eu sei disso tudo. Eu te respondo dizendo que foi ele que
me contou toda a história. Agora, não sei se explico aqui claramente os motivos
que fazem dessas soluções – da utópica à real – serem um absurdo e
completamente idiotas, afinal, não estava nem com vontade de contar essa
história a vocês... Vou decidir por não explicar. Fim.